SEMEAR
A FÉ NO CAMPO E NA CIDADE
1.
Falo do umbral do outono, de uma praça carregada de metáforas. Moro aqui
debaixo deste céu. Claro que durmo ao relento. Sou pobre e puro. Pedinte apenas
à porta do espírito. Como os plátanos no púlpito das praças, abrigo os
pássaros. Atiram-me pedras os meninos. O meu lugar é aqui, de bruços nas
palavras, pedra a pedra construindo o pátio do poema. É assim que hoje
enfrento, em estilo diferente, os dizeres deste Domingo XXVII do Tempo Comum.
2.
Oiço bater à porta. Serás tu ainda? Que fruto trazes nas
tuas mãos despidas? Um balde? O mar? O mar num balde? As rochas a estalar? O
lume a arder em febre? Uma estrela cadente envolta em neblina?
3.
Trazes a história de uma semente pequenina, microscópica. Dizes, para espanto
meu, que, lançada à terra, dela nascerá uma árvore grande, em cujos ramos vêm
abrigar-se os pássaros do céu, fazendo dela uma lareira carregada de alegria. E
dizes, outra vez para espanto meu, que a FÉ tem o tamanho e o virtuosismo dessa
semente pequenina, que semeada no meu coração e no coração do mundo pode
desenraizar o que nos parece seguro, sólido, assegurado, fazer ruir os nossos
cálculos mais estudados, fazer florir o alcatrão das nossas estradas, fazer
sorrir a nossa história desgraçada, arrancar embondeiros, plantar no mar aquilo
que parece só poder viver na terra.
4.
Acrescentas logo, sempre para espanto meu, que uma vida de serviço e da máxima
simplicidade é a melhor. E que é também a melhor pregação. Servir por amor. Sem
tempo nem contrato. Sem cláusulas. Doação total. Dar a vida como tu, Senhor e
Servo.
5.
Para me dizeres tanto, foste buscar metáforas ao campo: a semente, as árvores e
o servo (Lucas 17,5-10). E do campo, levas-me a visitar o jardim de Habacuc.
Poucos saberão, mas Habacuc é o nome de uma planta de jardim. Está de passagem.
De manhã viceja, à tarde seca. É preciso ir depressa. Até porque Habacuc ainda
tem de ir à cidade e escrever num grande painel publicitário que «o não-recto
perecerá, mas o justo viverá pela FÉ» (2,4).
6.
A FÉ é a tal sementinha que pode virar do avesso a nossa vida, a nossa casa, a
nossa rua, a nossa cidade, a nossa história.
7.
Corre e demora-te a ver esse painel, metáfora erguida na cidade, e aprende a
FÉ, isto é, a FIDELIDADE. S. Paulo demorou-se longamente a contemplar esse
painel, de tal maneira que gravou os seus dizeres na alma e em Romanos 1,17 e
Gálatas 3,11.
8.
Sim, Timóteo (2 Tm 1,6-8.13-14), reacende o dom de Deus que arde em ti, não
tenhas vergonha do Evangelho, dá testemunho de Jesus cristo, guarda a FÉ!
António Couto