Carlos
nogueira
JUNTO AO CHÃO
I CAPELA DO RATO
Lisboa 26
julho / 09 setembro
capela
escória de
ferro, ferro, sal, luz,
o som do
vento e da água que corre,
bonança
Quero
partilhar convosco aquilo que me foi dado viver aquando da visita a esta
exposição – JUNTO AO CHÃO na Capela do Rato. Fi-lo acompanhada pela minha filha
Clara e por uma amiga, Sílvia. Mas, aquilo que aqui escrevo prende-se com a
minha experiência individual, única e de uma interioridade quase escancarada.
Ao entrar na
Capela senti um misto de sensações, passámos da luz para a sombra (tudo estava
escuro, chão e capela) mas, algures na Capela uma “tábua rasa” vazia mas de
Luz. O vazio não mergulhou em mim, mas a Luz levou-me longe e para o mais profundo
das vestes da Transfiguração. A Luz plena, inteira e serena no meio físico do
escuro e do chão forrado a escória de ferro.
A caminhada que iniciei foi no
total conforto do meu calçado, sentindo a irregularidade dos meus passos e
ouvindo os mesmos – passos que se misturavam de forma sonora na escória de
ferro. Nas paragens que fiz ao longo do percurso físico da sombra e Luz fui
ouvindo o som da água e do vento… envolvem-nos e convidam-nos a outros lugares,
cá dentro… mais fundo… às memórias e ao meu património humano… senti que volvi
ao útero de minha mãe, a Água Viva e aos batimentos cardíacos, o vento do Sopro
da Vida. Regressei à maternidade gerada não criada de Deus Pai que nos desenha
no seu coração e nos conhece no mais íntimo do mais íntimo. Avançava e chegada
à “tábua rasa”, à Luz… eis o Sal, aquele que dá sabor à Vida. Toquei-lhe,
deslizei as minhas mãos por ele e permiti deixar-me salgar pela Luz de Sal que o artista pensou e nos ofereceu como um chegar e um devolver ao quotidiano.
Depois, troquei
uma palavras com a Sílvia e resolvi despir-me do conforto do calçado e
caminhar… a escória é dura, ríspida, desconfortável… e tanto e tudo tão difícil
ou que me leva a tomar consciência das minhas fragilidades… aqui, depois de uns
passos… tive a sensação das dores de parto. Nasce para a Vida, nasce para a Luz
e voltei ao Sal. Contemplei o seu mistério, tentei perceber que eco criava em
mim… o simples, o humilde e o contínuo convite ao Ser.
é preciso ir das coisas que se veêm e não existem
às coisas que existem e não se veêm
SÃO JOÃO DA
CRUZ
Sofia Preto
CVX-BI
Há convites que
me chegam e não hesito um segundo em aceitar. Assim foi com este convite
feito pela Sofia Preto para ir espreitar a instalação "Junto ao
Chão", do Carlos Nogueira, que esteve na Capela do Rato de 26 de
Julho a 9 de Setembro. "Escutar os próprios passos." Entrar numa
capela e escutar os meus passos, pareceu-me logo uma provocação ao espírito e
aos sentidos.
Quando chegámos
à entrada da capela não sabia quem de nós estava mais curiosa. Duas cortinas
cinzentas abriram a porta dos sentidos, como se estivesse a entrar dentro de um
espaço que me é familiar e que se tinha transformado num não lugar. Já não era
só uma capela, era um espaço de sentir, de curiosidade, de mistério. Numa
espécie de antecâmara fui imediatamente impelida a escutar. O som da água
ecoava como convite a lembrar-me da minha sede. Essa sede de caminho, de
perguntas, de desconhecido, essa sede que me faz ter vontade de encontrar-me
com a fonte, uma sede que me chama a percorrer o caminho.
Decidi
despojar-me o mais possível deixando a mala e os chinelos à entrada. Queria
caminhar leve, descalça, sentir o caminho com toda a sua dimensão.
O primeiro impacto com as pedras feitas de escória de ferro escuras,
frias, angulares, ruidosas, fizeram-me parar, logo ali, no princípio, para
me colocar num posição de humildade e aceitação, em que o questionamento foi
inevitável. "- Onde estou? Quem sou eu aqui e agora? Para onde
quero ir? O que procuro?"
A luz ténue e
sombria adivinhava subtilmente o espaço, o som da água e do vento
retinham a minha atenção no que estava fora de mim. Ergui a cabeça e
contemplei o que estava por vir. Ao centro encontrava-se um objecto rectangular,
desenhado de uma brancura que se destacava pela iluminação precisa. Não
conseguia perceber o que era mas estava ali, a convidar-me, a atrair-me a si, a
pedir-me para fazer o caminho até ele. Lembrou-me, pela forma que tinha, o
sepulcro vazio de Jesus, o que me colocou no papel das mulheres que chegaram à
gruta e se depararam com a ausência.
Como metáfora
da vida, a cada passo, uma escolha, a cada escolha, uma sensação, a cada
sensação um significado. Nenhum passo foi ausente de dor, às vezes colocava os
pés em zonas mais difíceis, com pedras maiores e instáveis, obrigando-me a
demorar, a encontrar o equilíbrio, a sentir na lentidão a dor a chegar e os
impulsos que isso provocava em mim.
Fui ouvindo
também os passos dos que estavam ali presentes e percebendo como eram
diferentes dos meus. Uns mais rápidos, outros mais ruidosos, outros mais
pesados. Percebi que cada um traz uma intenção diferente e isso reflecte-se na
forma como caminhamos. Que escolhemos trajectos diferentes para chegar ao mesmo
lugar e que todos somos atraídos pela luz, como borboletas.
Ao chegar ao
objecto iluminado dei-me conta que a brancura era feita de sal. O sal da vida, a
purificação, a limpeza. Toquei-lhe, não resisti. O contraste do branco do sal
com a cor da pele das minhas mãos e dos meus pés, o reconhecer-me viva e cada
vez mais a certeza de que o caminho é feito de luz e sombra, de vida e morte,
de presença e ausência, de Mistério e Fé.
No caminho de
volta para a saída, os meus pés estavam doridos, dormentes e tão silenciosos
quanto eu. Quando achava que já não havia nada de novo para sentir, fui
surpreendida com a sensação de pisar, ainda descalça, o chão liso das escadas
que ligavam à antecâmara e quando saímos para a rua, pude sentir cada passo na
calçada como se fosse a primeira vez, com um sentimento de gratidão pelo
terreno que piso todos os dias, por ser tão suave que nem reparo nele.
Escutar os
próprios passos... sim, agora escuto.
Sílvia Balancho
Setembro 2018