Já a meio do Tempo Pascal vem muito a propósito debruçarmo-nos sobre uma expressão muito própria dos Exercícios Espirituais, na 4ª. semana do seu percurso, dedicada inteiramente aos mistérios da Ressurreição do Senhor.
A graça que se pede nesta semana
não é de fácil compreensão. Vejamos: “pedir graça para me alegrar e gozar
intensamente de tanta glória e gozo de Cristo nosso Senhor”. (EE, 221) Se há
sentimentos muito desejados, o da alegria é dos que ocupa os lugares mais altos
da escala. Nascemos para ser felizes - dizemos e desejamos - e a graça
coloca-nos num desafio ainda mais alto: uma alegria e gozo intensos. Não será
desejar uma utopia? Critica-se muitas vezes o cristianismo que promete uma
felicidade no além, enquanto aqui na terra vamos “gemendo e chorando neste vale
de lágrimas”. A realidade limitada e pecadora que vivemos pessoalmente e vemos
no mundo que nos rodeia martela-nos sem cessar, provocando esta dúvida: Alegria
intensa, já aqui, onde?
Dando o benefício da dúvida, já
que a Ressurreição de Jesus é, por si mesma, um facto extraordinário, passemos
ainda a uma consideração apresentada por Santo Inácio nesta 4ª semana: “reparar
no ofício de consolar que Cristo nosso Senhor traz e compará-lo com o modo como
os amigos se costumam consolar uns aos outros”. (EE, 224)
A Ressurreição de Jesus dá-nos,
pela fé, a certeza de que a morte, o sofrimento, o desespero não têm a última
palavra. Não apenas quando falamos da experiência limite da nossa morte física,
mas também das experiências quotidianas de morte: aos nossos desejos, às nossas
relações, aos nossos projectos, ao nosso conforto, etc. É próprio da dimensão
ressuscitada da vida não ficar parado à sombra das tristezas e desânimos, mas
voltar à luz do sentido profundo das coisas e do bem amoroso que de tudo se
pode tirar. Só nesta lógica se entende, por exemplo, a força do perdão e o
compromisso com a justiça. Toda a aventura humana, por isso mesmo, é um
contínuo realizar da ressurreição que, já acontecida, pede para ser levada a
sério na vida de quem espera nesta fé.
Esta atitude reflecte-se
precisamente no “ofício de consolar”, próprio do Ressuscitado, que significa,
na linguagem inaciana, levar ao aumento da fé, da esperança e do amor, assente
numa experiência de paz e alegria nascidas da intimidade com Deus. [1] E este
ofício de Jesus ressuscitado experimenta-se a partir do trato de amizade que os
amigos têm quando se consolam uns aos outros. Não poderemos ver aqui a nossa
missão como cristãos? O motivo e motor da existência não poderá ser este
ministério da consolação?
Pessoalmente, anima-me muito
pensar na vida a partir deste horizonte, que tem um início cheio de vida e
deseja trazer essa mesma vida ao mundo concreto em que estou.
Desafio: O Cardeal Jorge
Bergoglio, agora Papa Francisco, fez este apelo a uma nova forma de viver as
relações: “Imitemos o nosso Deus, que nos precede e ama primeiro, realizando
gestos de proximidade para os nossos irmãos que sofrem solidão, indigência,
desemprego, exploração, falta de tecto, desprezo por serem migrantes, doença,
isolamento entre os idosos. Dá o primeiro passo e leva, com a tua própria vida,
o anúncio: Ele ressuscitou”. Não será isto mesmo a consolação que podemos
realizar?
[1] Chamo consolação, quando na
alma se produz alguma moção interior, com a qual vem a alma a inflamar-se no
amor de seu Criador e Senhor; e quando, consequentemente, nenhuma coisa criada
sobre a face da terra pode amar em si mesma, a não ser no Criador de todas
elas. E também, quando derrama lágrimas que a movem ao amor do seu Senhor, quer
seja pela dor se seus pecados ou da Paixão de Cristo nosso Senhor, quer por
outras coisas directamente ordenadas a seu serviço e louvor. Finalmente, chamo
consolação todo o aumento de esperança, fé e caridade e toda a alegria interior
que chama e atrai às coisas celestiais e à salvação de sua própria alma,
aquietando-a e pacificando-a em seu Criador e Senhor. (EE, 316)