A nossa Comunidade é formada por cristãos: homens e mulheres, adultos e jovens, de todas as condições sociais que desejam seguir Jesus Cristo mais de perto e trabalhar com Ele na construção do Reino, e reconheceram na CVX a sua particular vocação na Igreja (PG4)

21 setembro 2018

MAIS

Carlos nogueira

JUNTO AO CHÃO I CAPELA DO RATO
Lisboa 26 julho / 09 setembro


capela
escória de ferro, ferro, sal, luz,
o som do vento e da água que corre,
bonança


Quero partilhar convosco aquilo que me foi dado viver aquando da visita a esta exposição – JUNTO AO CHÃO na Capela do Rato. Fi-lo acompanhada pela minha filha Clara e por uma amiga, Sílvia. Mas, aquilo que aqui escrevo prende-se com a minha experiência individual, única e de uma interioridade quase escancarada.

Ao entrar na Capela senti um misto de sensações, passámos da luz para a sombra (tudo estava escuro, chão e capela) mas, algures na Capela uma “tábua rasa” vazia mas de Luz. O vazio não mergulhou em mim, mas a Luz levou-me longe e para o mais profundo das vestes da Transfiguração. A Luz plena, inteira e serena no meio físico do escuro e do chão forrado a escória de ferro. 


A caminhada que iniciei foi no total conforto do meu calçado, sentindo a irregularidade dos meus passos e ouvindo os mesmos – passos que se misturavam de forma sonora na escória de ferro. Nas paragens que fiz ao longo do percurso físico da sombra e Luz fui ouvindo o som da água e do vento… envolvem-nos e convidam-nos a outros lugares, cá dentro… mais fundo… às memórias e ao meu património humano… senti que volvi ao útero de minha mãe, a Água Viva e aos batimentos cardíacos, o vento do Sopro da Vida. Regressei à maternidade gerada não criada de Deus Pai que nos desenha no seu coração e nos conhece no mais íntimo do mais íntimo. Avançava e chegada à “tábua rasa”, à Luz… eis o Sal, aquele que dá sabor à Vida. Toquei-lhe, deslizei as minhas mãos por ele e permiti deixar-me salgar pela Luz de Sal que o artista pensou e nos ofereceu como um chegar e um devolver ao quotidiano.

Depois, troquei uma palavras com a Sílvia e resolvi despir-me do conforto do calçado e caminhar… a escória é dura, ríspida, desconfortável… e tanto e tudo tão difícil ou que me leva a tomar consciência das minhas fragilidades… aqui, depois de uns passos… tive a sensação das dores de parto. Nasce para a Vida, nasce para a Luz e voltei ao Sal. Contemplei o seu mistério, tentei perceber que eco criava em mim… o simples, o humilde e o contínuo convite ao Ser.

é preciso ir das coisas que se veêm e não existem
às coisas que existem e não se veêm

SÃO JOÃO DA CRUZ

Sofia Preto
CVX-BI




Há convites que me chegam e não hesito um segundo em aceitar. Assim foi com este convite feito pela Sofia Preto para ir espreitar a instalação "Junto ao Chão", do Carlos Nogueira, que esteve na Capela do Rato de 26 de Julho a 9 de Setembro. "Escutar os próprios passos." Entrar numa capela e escutar os meus passos, pareceu-me logo uma provocação ao espírito e aos sentidos.

Quando chegámos à entrada da capela não sabia quem de nós estava mais curiosa. Duas cortinas cinzentas abriram a porta dos sentidos, como se estivesse a entrar dentro de um espaço que me é familiar e que se tinha transformado num não lugar. Já não era só uma capela, era um espaço de sentir, de curiosidade, de mistério. Numa espécie de antecâmara fui imediatamente impelida a escutar. O som da água ecoava como convite a lembrar-me da minha sede. Essa sede de caminho, de perguntas, de desconhecido, essa sede que me faz ter vontade de encontrar-me com a fonte, uma sede que me chama a percorrer o caminho.

Decidi despojar-me o mais possível deixando a mala e os chinelos à entrada. Queria caminhar leve, descalça, sentir o caminho com toda a sua dimensão. 


O primeiro impacto com as pedras feitas de escória de ferro escuras, frias, angulares, ruidosas, fizeram-me parar, logo ali, no princípio, para me colocar num posição de humildade e aceitação, em que o questionamento foi inevitável. "- Onde estou? Quem sou eu aqui e agora? Para onde quero ir? O que procuro?" 

A luz ténue e sombria adivinhava subtilmente o espaço, o som da água e do vento retinham a minha atenção no que estava fora de mim. Ergui a cabeça e contemplei o que estava por vir. Ao centro encontrava-se um objecto rectangular, desenhado de uma brancura que se destacava pela iluminação precisa. Não conseguia perceber o que era mas estava ali, a convidar-me, a atrair-me a si, a pedir-me para fazer o caminho até ele. Lembrou-me, pela forma que tinha, o sepulcro vazio de Jesus, o que me colocou no papel das mulheres que chegaram à gruta e se depararam com a ausência.

Como metáfora da vida, a cada passo, uma escolha, a cada escolha, uma sensação, a cada sensação um significado. Nenhum passo foi ausente de dor, às vezes colocava os pés em zonas mais difíceis, com pedras maiores e instáveis, obrigando-me a demorar, a encontrar o equilíbrio, a sentir na lentidão a dor a chegar e os impulsos que isso provocava em mim.

Fui ouvindo também os passos dos que estavam ali presentes e percebendo como eram diferentes dos meus. Uns mais rápidos, outros mais ruidosos, outros mais pesados. Percebi que cada um traz uma intenção diferente e isso reflecte-se na forma como caminhamos. Que escolhemos trajectos diferentes para chegar ao mesmo lugar e que todos somos atraídos pela luz, como borboletas.

Ao chegar ao objecto iluminado dei-me conta que a brancura era feita de sal. O sal da vida, a purificação, a limpeza. Toquei-lhe, não resisti. O contraste do branco do sal com a cor da pele das minhas mãos e dos meus pés, o reconhecer-me viva e cada vez mais a certeza de que o caminho é feito de luz e sombra, de vida e morte, de presença e ausência, de Mistério e Fé. 


No caminho de volta para a saída, os meus pés estavam doridos, dormentes e tão silenciosos quanto eu. Quando achava que já não havia nada de novo para sentir, fui surpreendida com a sensação de pisar, ainda descalça, o chão liso das escadas que ligavam à antecâmara e quando saímos para a rua, pude sentir cada passo na calçada como se fosse a primeira vez, com um sentimento de gratidão pelo terreno que piso todos os dias, por ser tão suave que nem reparo nele.
Escutar os próprios passos... sim, agora escuto. 



Sílvia Balancho
Setembro 2018


15 setembro 2018

Palavras com Ritmo, III


Sofia nasceu em Castelo Branco, é a filha mais velha de três irmãos e algures no tempo foi tocada e chamada a Servir. Participou nas Jornadas Mundiais em Roma, em 2000 e em 2002 partiu com as Religiosas do Sagrado Coração de Maria para um mês de missão no Gurué (Moçambique). Foi mãe com o nascimento do Francisco e da Clara, que são fonte de imensa alegria e gozo e aos quais dedica quase toda a sua vida. Em Castelo Branco, ano de 2011, entra para a Comunidade de Vida Cristã, da Beira Interior (CVX-BI). Desde de 2013 que é animadora do Grão de Mostarda, dando uso à formação na Espiritualidade Inaciana. Em 2016 ficou responsável pela área da Comunicação da CVX-BI. Em 2018 faz o seu Compromisso Temporário em CVX onde se sente chamada a Ser em Igreja e se identifica com este Modo de colaborar na missão de Cristo. É voluntária no Banco Alimentar e facilitadora no RETIRA-TE, A INTERIORIDADE NA LIDERANÇA (EU!). Tem procurado afinar os seus conhecimentos na área do Relaxamento, Musicoterapia, Coaching e Mindfulness (certificação ReConstruir) para Mais Amar e melhor Servir!



(1) No próximo mês de outubro na Casa de Soutelo é facilitadora de um fim de semana com um tema que desperta a atenção e que nos interpela: Retira-te, A Interioridade na Liderança (EU!).
Como surge este fim de semana?

O Retira-te, A Interioridade na Liderança surge de um despertar e tomar consciência de que o dia intenso, cheio de tarefas e esgotante, tira ou retira a essência aos gestos, palavras e pensamentos. Propõe o olhar para dentro, para o que nos habita e constrói como Pessoa. Assim, criámos compromisso e responsabilidade para com o Eu conhecido, mais maduro e afinado, acolher e vivenciar aquilo que nos é dado viver. O Retira-te é facilitado por mim que abordo a Interioridade e por uma amiga, Sandra Costa, que aborda a Liderança.
Também decidimos que o modo de proceder como resposta ao acolhimento imediato da Casa de Soutelo, à confiança depositada em nós (Sandra & Sofia) e à nossa consciência de que juntos somos mais fortes (há sempre uma oportunidade para ajudar quem está mais fragilizado) 3% do valor deste fim de semana será entregue a uma Obra da Companhia de Jesus em Portugal - Colégio da Imaculada Conceição, Cernache (CAIC).

A que convida?

Convida a Parar! Para conhecermos, amadurecermos e afinar o Eu! Existem pistas de quem facilita para ajudar a ser mais inteiro na consciência, a exercitar e a colocar a render tudo aquilo que Sou e possuo.

Para que fim?

Pretende-se voltar ao quotidiano, mais uno e inteiro!
Conhecer as ferramentas e estratégias que permitem acolher e aceitar aquilo que a Vida me permite viver.
E ser comprometido(a) na mudança que resulta quando se experiencia e vivencia as dinâmicas, as partilhas e o espaço criado para ir mais além no nosso território interior.
Cito Fernando Pessoa.

'Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.'

(2) E o que é a Interioridade?

Penso que numa primeira abordagem todos sabemos que existe, embora quase ninguém consiga dizer coisas muito concretas sobre ela.
Numa primeira tentativa recorro a expressões utilizadas com alguma frequência por cada um de nós «lá dentro do meu coração» ou «no fundo do meu coração», sendo muito vagas já demonstram em si um existir interior. E que para nós é importante, apesar da sua pouca nitidez e forma, e parece ser maior que tudo aquilo que nos rodeia.
Li: “A Interioridade é o mistério de nós mesmos, de cada um de nós mesmos. Um mistério que está tão perto como uma floresta virgem que começasse no fundo de nosso quintal, mas que nós ainda não exploramos.”


(3) Faz sentido falar sobre Interioridade nos dias de hoje?

Segundo a tradição bíblica, o que mais nos desumaniza é viver com um “coração fechado” e endurecido, um “coração de pedra”, incapaz de amar e de crer. 
Há atualmente uma imensidão de situações que nos conduzem a situações mais massificadas, de relações humanas mais dinâmicas e até um certo ponto menos vinculativas e a uma correria fugaz do tempo e do tanto que achamos que temos que fazer. Estas são aquelas que nos desumanizam e nos retiram aquilo que existe de mais profundo em nós «a nossa maior riqueza espiritual», a Interioridade.
Para crescermos em humanidade necessitamos de Viver humanamente! Deixar o Espírito circular livremente por todos os ‘lugares’ da nossa morada interior, arejando-os, ventilando-os, religando-os, dando-lhes vida, reorientando-os. Precisamos de nos abrir a uma verdade maior quanto a nossa humanidade, ou seja, que todos os nossos ‘lugares’ merecem serem visitados, olhados, ouvidos e abraçados; que cada aspeto de nossa vida contém uma dádiva maior do que podemos enxergar e cada sentimento merece uma expressão saudável.


(4) Jesus disse: “O reino de Deus está dentro de vós” (Lc 17, 20-21)
Como conduzir-nos a esta consciência e verdade? Exemplos concretos.

Esta consciência de que Deus habita em nós está presente na dinâmica e proposta de vida de Inácio de Loyola, que nos alerta para uma identificação com Jesus «procurando e encontrando Deus e a Sua vontade em todas as coisas».
Das ferramentas inacianas, humildemente, falo de dois exemplos concretos, a Oração Pessoal e os Exercícios Espirituais:

- a Oração Pessoal convida a um diálogo e a uma dinâmica íntima para que na conversa “comunicação amiga com Deus”1 possa falar e escutar. Deixar-me conduzir no mais profundo de mim ativando as “Graças e Dons”, despertar os impulsos para o “MAIS”, reacender a força dos desejos, a inspiração para a criatividade... E depois, olhar o concreto, procurando em cada momento o que é mais urgente, necessário e que toque um número mais significativo de pessoas “sal e luz do mundo”;

- os Exercícios Espirituais tocam, ativam, assumem e fortalecem as estruturas profundas do meu Ser e, assim, dão novo sentido à minha existência. É um caminho que se percorre, uma maneira vital de dispor-me internamente à ação do Espírito e ordenar e encontrar a vontade de Deus.


(5) A Irmã Maria Emília Nabuco fala de Educar para a Interioridade:
O desenvolvimento espiritual tem um papel importante no desenvolvimento do ser humano, no desenvolvimento da religiosidade. Religião significa re-ligar, ou seja, estabelecer relação com algo ou alguém, neste caso com Deus.”2
Como, mãe e catequista, procura estabelecer este ‘re-ligar’?

Primeiro respeitando os meus filhos e todos com quem estou! Depois, talvez de uma forma ‘altamente recomendável’ proporcionar momentos, partilhas e vivências que os ajudem a sintonizar- 
-se com o seu Eu. Fazendo eco da frase de Santo Agostinho “Entrei no meu íntimo sob a Tua Guia e consegui, porque Tu Te fizeste meu auxílio.", partilho algumas dinâmicas que podem ajudar e que estão sempre sujeitas a ajustamentos:

- ao jantar, convido os meus filhos a verbalizar dois pontos positivos do seu dia e dois pontos menos positivos;

- ao domingo, depois da Eucaristia, falo com eles sobre aquilo que mais os tocou e me tocou (as leituras, os cânticos e a homília);

- rezar com a minha filha ao deitar;

- com o meu filho, ateu, proponho-lhe Campos de Férias Católicos e informações/pesquisas que o ajudem a esclarecer ideias e conceitos. Partilho uma curiosidade muito recente... o único que em sala de aula [História] sabia que com o Concílio de Trento surgiu a aprovação da Companhia de Jesus.


(6) Num despertar para “Educar para a Interioridade” quais lhe parecem ser os desafios da sociedade e do sistema de educação?

Penso que estamos no Tempo Certo para o fazer!
É este o desafio, o de acolher e de abraçar Este Tempo.
É único e bastante interpelador, porque estamos perante Pessoas em formação que serão os homens e mulheres do amanhã. O amanhã que lhes exige cooperação, compromisso, respeito pela sua unicidade, compromisso nas suas decisões e sabedoria em gerir tudo isto – aqui está a Interioridade e a Liderança de todos os Dons e Graças recebidas!
Também percebemos o património presente no "caminho inaciano" que contém as três vertentes essenciais da Liderança: "Ser espiritual (ser líder faz parte de uma caminhada interior de discernimento), Ser sapiencial (o líder conhece a realidade e sabe ler com clareza os sinais dos tempos) e Ser prática (o líder tem consciência que está ao serviço de uma missão concreta). Estas características são essenciais tanto numa comunidade eclesial, universitária ou empresarial como também em qualquer comunidade inserida no mundo em que vivemos." Adolfo Nicolàs,sj.
E os desafios são o voltar ao simples, ao menos e ao mais profundo.
Como voltar a tudo isto? Com calma, serenidade e muita criatividade… sabendo que “Deus providenciará” e é “o caminho, a verdade e a Vida”.


(7) Agradecendo a disponibilidade, o acolhimento e o compromisso em responder a todas as perguntas lançadas, que Graça a Pedir partilha connosco neste tempo próprio para regressar ao mundo e internamente, (re)ligar-se e (re)encontrar-se com todos e tudo.

“O que Te peço Senhor, é a graça de ser.
Não te peço sapatos, peço-Te caminhos.
O gosto de caminhos recomeçados, com as suas surpresas, suas mudanças, sua beleza.
Não Te peço coisas para segurar, mas que as minhas mãos vazias se entusiasmem na construção da vida.
Não Te peço que pares o tempo na minha imagem predileta, mas que ensines os meus olhos a encarar cada tempo como uma nova oportunidade.
Afasta de mim as palavras que servem apenas para evocar cansaços, desânimos, distâncias.
Que eu não pense saber já tudo acerca de mim e dos outros.
Mesmo quando não posso ou não tenho sei que consigo ser, Ser simplesmente.
É isso que Te peço Senhor.
A graça de Ser de novo."


Padre Tolentino Mendonça

1 Santa Teresa de Ávila, Livro da Vida 8,5
2 Maria Emília Nabuco, A educação da interioridade das crianças dos 0 aos 6 anos


[Agradeço à Sofia o seu acolhimento, alegria e disponibilidade em colaborar nesta iniciativa.]


Unidas no Senhor,

By Maria José Madeira
CVX-BI