Pede-se um discurso de esperança.
Pede-se em especial à Igreja. Fica cada cristão com o desafio de ajudar a dar
sentido às dificuldades de todos e de aumentar o ânimo colectivo. A fé cristã
tem recursos para transmitir essa esperança, acredita-se. E é verdade. Mas é
preciso ter cuidado para não cair rapidamente num discurso fácil, nas
aparências muito cheio de fé, mas de facto vazio e sem poder mobilizador,
podendo até correr o risco de ser alienante. Um discurso muito pouco cristão,
portanto. Oferta muito fraca seria.
A esperança cristã não é uma
simples crença que tudo vai correr bem, roçando a superstição numa enigmática
sorte que, vinda do céu, acabará por nos cair nas mãos. Ou um mero exercício de
credulidade que passivamente assegura que Deus nos virá resolver todas as
dificuldades. A esperança cristã não é uma aposta na probabilidade de um
milagre exterior. É, isso sim, chamamento a uma abertura confiante à
responsabilidade. A esperança não promete mudar nada por fora, mas muda
radicalmente a atitude da pessoa por dentro, no modo como encara os desafios
exteriores e lhes responde. A esperança cristã não altera a realidade em que a
pessoa vive, mas transforma profundamente a forma como a pessoa vive essa
realidade.
O fundamento da esperança cristã é
o poder da presença activa de Deus. Mas onde se mostra esse poder? A esperança
cristã não assenta numa convicção que Deus nos vai tornar as coisas mais
fáceis. Antes, acredita – e ao acreditar vai experimentando – que Deus nos dá a
força para arrostar mesmo com as coisas mais difíceis. Aposta que, na abertura
à relação com Ele, encontraremos confiança e resiliência para não temer e nunca
desistir. E isso vai-nos dando a certeza que nada nos destruirá, porque o poder
que nos sustenta é sempre mais forte.
A esperança salva-nos, antes de
mais, da paralisia do medo e da lamentação, da tentação da fuga e da descrença
nas nossas próprias capacidades. Ao defender-nos do cepticismo, no entanto, não
nos desviar o olhar da realidade, em toda a sua dura e crua verdade. Sem nos
dispensar dum realismo pragmático, a esperança chama à responsabilidade, ao
empenho, e mesmo ao sacrifício, e exige iniciativa, criatividade, acção.
A acção que se nos impõe pode
pedir-nos despojamento, retorno a um estilo de vida mais austero. Esperança não
é fazer-nos crer que não perderemos nada, mas assegurarmo-nos que, mesmo que
tenhamos de prescindir de muito do que consideramos imprescindível, há vida e
gosto por ela bem para lá dessa privação.
A esperança não esconde a crise nem
a pinta de outras cores. Mas não nos permite não fazer nada, antes nos impele a
agir, mesmo na fragilidade da falta de soluções garantidas. Fragilidade não é
impotência, é apenas convite a mover-se por um poder que não possuímos
completamente. Esse poder, se nos deixamos conduzir por ele, logo nos dirá que,
mesmo na fragilidade, somos mais fortes que as crises e acordará em nós
capacidades desconhecidas. Esse é o poder da esperança: desloca a nossa
confiança para um fundamento muito mais sólido do que o nosso ilusório domínio
sobre todas as coisas.
A esperança cristã é uma esperança
pascal, de passagem de morte a ressurreição. Passagem é começar num lado e
chegar até ao outro, mas é preciso percorrer todos os passos intermédios. A
passagem pascal não inventa atalhos nem se desvia da dureza do caminho, mas
encontra força para ir até ao fim, provando que a vida movida pelo amor é mais
forte do que cada uma a uma das ameaças que a confrontam. A esperança pascal não
anula as tribulações, mas dá força para as superar. Afirma-nos que somos
capazes. E aponta o triunfo de Jesus ressuscitado como fundamento e garantia.
A esperança põe-nos em atitude de
passagem. Mas só há passagem se não recuamos nem paramos. Para a frente. Vamos!
23.10.2011
http://www.vozdaverdade.org
(postado por Alice Matos)