A nossa Comunidade é formada por cristãos: homens e mulheres, adultos e jovens, de todas as condições sociais que desejam seguir Jesus Cristo mais de perto e trabalhar com Ele na construção do Reino, e reconheceram na CVX a sua particular vocação na Igreja (PG4)

24 dezembro 2011

Grande e Linda Noite Silenciosa


 Natal é tempo de silenciar! Na Bavária, terra natal do Papa Bento XVI, o Advento é chamado “tempo silencioso” na alegre expectativa do Salvador! Numa recente comunicação sobre o Natal o nosso Papa disse: “O tempo que antecede o Natal, hoje não é mais um “tempo de silêncio”, pelo contrário, as pessoas estão em actividades frenéticas no meio de compras, vendas, preparativos para festas e jantares”.
No fundo, alertou-nos para a necessidade de, no nosso dia-a-dia, e mais ainda neste tempo natalício, vivermos numa atmosfera espiritual, e criarmos “ilhas de alma, de silêncio”,  para estarmos com o Emanuel, O Deus-connosco, o Menino que nos é dado e que nasce para nós (cfr. Is 9,2-7).

Para compreender o Natal é necessário o «silêncio». O estrondo e o caos não nos devem distrair da contemplação do Mistério da Encarnação, pois somos convidados a reviver o nascimento de Jesus num ambiente de «silêncio». Não podemos perder tempo, porque estamos às portas do Presépio, é necessário predispor o coração e o espírito para viver intensamente este grande mistério da fé. Para alcançarmos tal objectivo, temos o exemplo de Maria, Mãe de Jesus, que «nos ajuda a compreender as palavras-chave do mistério do nascimento de seu Filho: humildade, silêncio, espanto, alegria». Maria, indica-nos o valor do silêncio, que sabe escutar a Palavra de Deus, o canto dos anjos e o pranto do Menino…

“A Palavra de Deus fez-se carne e veio morar entre nós” (Jo 1,14) com o Sim de Maria. Primeiro, o silêncio, depois a acção do Espírito e, em seguida, a Palavra. Temos a faculdade de entender os “silêncios bíblicos” quando recebemos a Palavra pelo Espírito: nem tudo compreendemos no momento, mas a contemplação silenciosa é uma forma superior de compreensão, por ser espiritual. Deus pouco Se nos comunica verbalmente, mas, pelo silêncio, faz brotar em nós palavras que de outro modo não teriam nenhum sentido, afirma o teólogo russo Vladimir Lossky (1903-1958). Não é o silêncio pela ausência da palavra, mas a Palavra que brota do silêncio. Nossa Senhora é um exemplo para nós porque, em silêncio, “guardava todas estas coisas, meditando-as em seu coração” (cfr. Lc 2, 15-19).

Vivemos na era dos grandes e sofisticados meios de comunicação, onde a palavra de ordem hoje é comunicar, especular,  com o desejo de explicar tudo. As nossas TVs, rádios, internet, jornais, revistas estão cheios de explicações religiosas, algumas simplórias e até contraditórias. Na busca legítima de evangelizar, levar a Boa Nova a todos os ambientes, corre-se o risco de profanar o Sagrado, “espectacularizar” o Mistério. A comunicação religiosa é contemplação, adoração, revelação. A palavra de Deus, o anúncio de Natal é Mistério profundo e não pode ser lançado “na vala comum” do barulho mundano.  É para ser mais contemplado, em silêncio, do que demonstrado.

O “silêncio sem voz”, o silêncio entre nós e Deus, o silêncio da Noite de Natal é comunicativo, é revelador, não é gélido de vida solitária. Saber fazer silêncio é também uma arte, uma sabedoria! Fazer silêncio no coração, no seio da família, no trabalho, nas reuniões, nas Igrejas, na Eucaristia, e noutras celebrações… Silêncio para escutar os meus gemidos, sonhos, lamentações, alegrias, vitórias, tristezas;… fazer silêncio para escutar os outros, as  as suas partilhas;… fazer silêncio para escutar Deus que,  no Seu Filho nasce para mim, que Se quer dar, comunicar a mim mesmo, quer ser acolhido e habitar no mais íntimo do meu ser!

Há segredos que só no silêncio nos são revelados. Hoje, temos a tentação de mostrar tudo, explicar tudo, de “esmiuçar”, de ficarmos obcecados e paralisados pelo stress e “ruído da vida” e da sociedade, e assim destruímos a possibilidade do encanto e do espanto diante do Mistério, correndo o risco de perder o pudor do silêncio. E perdemos tudo, pois não ouviremos os anjos cantando e não iremos a Belém, a ver o Menino que nasceu!

 Natal é tempo de silenciar! Mas é um silêncio especial, porque nasce o nosso Salvador, Jesus Cristo, Senhor! Em silêncio, diante do Presépio, contemplemos o Menino que nos é dado por Deus que “amou e ama tanto o mundo, que nos deu o Seu próprio Filho”.  

P. Hermínio Vitorino, sj.


        
(postado por Alice Matos)


                                                    






17 dezembro 2011

Não pode ser só isto


O Natal do comércio chega de um dia para outro.
Fácil, tilintante, confuso, pré-fabricado.
É um Natal visual. Um amontoado de símbolos.
Um ar do tempo. Dentro de nós, porém, sabemos que não é assim. Para ser verdade, o Natal não pode ser só isto.
Não pode servir apenas para uma emoção social, para um corrupio de compensações, compras e trocas. Para ser verdade,
o Natal tem de ser fundo, pessoal, despojado, interpelador, silencioso, solidário, espiritual.
Acorda em nós, Senhor, o desejo de um Natal autêntico.

P. José Tolentino Mendonça

03 dezembro 2011

Advento - Estamos de esperanças...

Sano di Pietro

Três figuras para o nosso presépio

A gruta escura, lugar do nascimento. No Natal de 1223, Francisco de Assis quis reproduzir, na localidade de Greccio, a gruta de Belém. Deveria haver uma manjedoura. Também uma vaca e um burro. Convidou os habitantes da terra e das redondezas para que viessem, na noite de Natal, ao lugar do nascimento. As suas tochas e velas haveriam de iluminar o escuro. E os cantos haveriam de romper o frio. Nessa noite de profunda alegria, Francisco queria ver com os próprios olhos como teria sido o nascimento do menino Jesus. Numa gruta queria contemplar a vinda do Verbo de Deus na nossa carne. No lugar de refúgio para quem não tem lugar, “il poverello” queria tocar a fragilidade e a força do nascimento do Salvador, d’Aquele que faz seus os lugares humanos mais corrompidos, os mais feridos, os mais incapazes.
Hoje, tal como a Francisco, esta mesma noite restitui-nos o olhar: podemos continuar a contemplar como em todas as grutas humanas, em todos esses lugares de escuridão e de morte, a vida divina continua a brilhar. E como faz nascer o canto. No lugar das nossas mortes, acontece o momento humano mais luminoso: o nascimento de um menino. Um nascimento absolve-nos da morte e restitui-nos à vida. No nascimento de Deus, renascemos. 

Maria, a grávida de esperanças, está para dar à luz.
Ponhamos nesta gruta uma mulher grávida, porque é grávida que Maria medita todas as coisas em seu coração. Deixada só pelo anjo da anunciação, reconhece que tudo tem o seu tempo. A sua gravidez também. Um longo tempo é necessário.
“Está de esperanças”, dizemos de uma mulher que espera bebé. Maria está para gerar na carne Aquele que é desejado há tanto tempo. Haverá sabedoria maior que a de acompanhar a gravidez das biografias e dos tempos? Tudo o que somos tem necessidade de uma longa gestação. Leva tempo a gerar o que devemos fazer nascer: uma criança, um livro, uma decisão de vida, uma vida inteira. Quanta história e quantas histórias foram precisas para que o Filho encarnasse no ventre de Maria? Quantas para que fosse dado à luz? E quanta história e histórias para que S. João chegasse a dizer que Deus é amor? Um corpo de menino, uma frase tão curta, mas uma longuíssima e dramática gestação. Muito tempo foi preciso para dizer tanto e tão sobriamente. E mais tempo precisamos ainda para que este mistério nos faça viver na Sua luz.  

José, o homem bom que, no sonho, entrevê o mistério.
Ao lado, talvez um pouco retirado, ponhamos José. Enquanto Maria medita, ele sonha. É no sonho que ouve. É no sonho que compreende e decide. “Não temas”. E José deixa de temer. Toma Maria consigo. Bastar-lhe-á dispor as coisas ao Mistério. Entra nele como quem fica de fora. Respeita-o como quem está dentro. O que se passa no ventre de Maria e o que se passará na gruta do nascimento não poderia acontecer sem o seu sonho, a sua presença, a sua distância. José acompanha. E basta-lhe. Tão ajustado, a sua justiça comove-nos.
Peguemos, então, com José numa candeia acesa e iluminemos a escuridão da gruta. Aproximemos os animais para que tudo fique mais aconchegado. Preparemos os cânticos. Maria está grávida. Em breve dará à luz. O seu menino, o Filho, nos será dado, Ele, a nossa luz e a nossa paz.

A Igreja que hoje refaz e se refaz no presépio. Amo muito a nossa expressão “dar à luz”. São palavras que colocam o nascimento sob o registo da dádiva e da claridade. Vimos à vida como quem é oferecido à luz. É verdade que, e não podemos esquecê-lo, o nascimento é também expulsão, obrigatoriedade de nascer. Finda a gestação, não podemos não nascer. No drama e na dor do parto, somos, por isso, impostos à vida. Nascimento, dom e imposição. Tudo já dado como um dom. Tudo ainda por fazer como um dever.
Hoje, imagino a Igreja como um presépio – lugar humano onde, em palavras e gestos, em arte e pensamento, se dá e se acompanha a gestação deste difícil milagre que é a vida. Uma gruta, talvez pouco digna, mas já com uma história extraordinária de dois milénios, onde cada um pode tomar o lugar que mais lhe convém. No centro, o Santíssimo exposto na nossa carne, no pão dos nossos sacrifícios e no vinho das nossas alegrias. Em redor, os anjos que cantam em todas as línguas. De joelhos, como Maria e José, com pastores e com magos, nós que O adoramos como nosso Senhor.

P. José Frazão, s.j.